Estou numa fase da minha vida em que não sei onde se poderão encaixar as próximas férias. Ano novo, vida nova, decidi tentar mudar isso. Porque não meter um ou dois fins de semana fora e arranjar umas passagens baratas? Decidi isto em Dezembro. Dito e feito, estalei os dedos e tinha já dois bilhetes na mão.
Próxima paragem? Amesterdão!
Para além disso, eu não como carne e enquanto em Lisboa ou pago mais por um restaurante específico ou tenho uma única hipótese que me sirva no menu, aquele foi o primeiro de muitos restaurantes em Amesterdão que me apresentou mil e uma escolhas, dentro dos meus padrões alimentares. Para além disso, tinha um cheirinho europeu com as suas prateleiras cheias do melhor que existe por esse continente fora e como é claro, Portugal também lá estava.
Acabámos de comer, demos dois dedos de conversa e seguimos rumo a Hobbemastraat, onde está o letreiro I AMSTERDAM. Estando eu habituada ao “não-tão-frio” português, nunca tinha visto neve na vida. Então mal chegámos desatei a correr que nem uma criança para um monte de neve que restava dessa semana. Não vi mais em parte alguma, mas deu para atirar a primeira bola! Em frente havia uma pista de gelo e ao fundo todos queriam uma foto no letreiro.
Uma sensação gira e mista.
Por um lado, as pessoas pareciam selvagens a trepar o letreiro, por outro ninguém em Amesterdão tem atitudes violentas. Juntei-me a eles no que parecia ser um parque infantil para os crescidos e soltei umas boas gargalhadas.
Tínhamos planeada uma visita ao Museu da Anne Frank e queríamos confirmar onde era para podermos estar mais à vontade e então fomos averiguar a situação, mas pelo caminho fomos sendo atraídos para outros sítios. Ainda tínhamos algum tempo e entre mercados de rua e os canais, estavam as famosas coffee shops. Entrámos aleatoriamente numas e comprámos uma promoção que nos agradou. No fundo, não tivemos grande filtro, demo-nos ao luxo de ser turistas.
Tínhamos um plano e sempre que ouvíamos português ficávamos em silêncio para não sermos reconhecidos. Não nos interpretem mal, adoramos o nosso país, mas dois dias fora dele não são para ser interrompidos com “questões-tugas”. Andámos completamente à vontade pelas ruas e vimos mais pessoas como nós, descontraidamente usufruindo da legalização.
Mais uma vez, apaixonei-me. Não porque eles são uns porreiros liberais, mas porque reconhecem os malefícios do tabaco e os benefícios da cannabis.
Reconhecem as suas vantagens e sabem que obtêm mais controlo dos comportamentos da população se a autorizarem a fazer o que querem (dentro da liberdade, não libertinagem). Fomos avisados no hotel que podíamos ser enganados na rua por alguém que nos quisesse vender mais barato. Provavelmente não seria realmente cannabis e é sempre perigoso ingerir algo sem saber o que contém na realidade. Não encontrámos ninguém que nos tentasse vender dessa forma, mas o facto de ser legal e de ter lojas próprias para compra e consumo faz com que só seja enganado quem assim o permita. Para além disso, é usado um substituto de tabaco na mistura que é feita para que a nicotina não seja um problema e é vos dada a escolha.
Enquanto fazíamos tempo perdemo-nos propositadamente e fomos parar à Dam Square. Linda. Linda. Linda. Só de a imaginar com neve sinto-me de coração quente. Imagino este momento da nossa viagem com vista aérea. Chegámos à praça e vimos cavalos, carruagens e artistas de rua.
Vimos o Madame Tussauds e uma exposição sobre 3 figuras que inspiraram o século XX: Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Nelson.
Ficámos ambos espantados e enquanto eu me começava a aproximar do cartaz onde se lia We have a Dream, o meu namorado estava estático a olhar para o outro lado da praça, onde está o Madame Tussauds. Reencontrámo-nos e fomos para o Museu da Anne Frank. Dois dias não dão para tudo, infelizmente.
A ida ao Museu da Anne Frank foi de verter a lágrima. Não são permitidas fotografias lá dentro exatamente pelo seu cariz emocional.
Mas o que mais me fez confusão, foi existirem mais 2 Franks abaixo de Anne que não tiveram um museu, um livro ou uma homenagem — Otto Frank
A luta de todas aquelas pessoas é inspiradora mas a tristeza de Otto, pai de Anne, é quase como nossa quando este começa a relatar o seu sofrimento. Deixou ainda uma frase que me fez pensar enquanto futura mãe.
Ao ler o Diário de Anne não imaginava aqueles sentimentos. Falava-me que tinha um diário mas não descrevia aqueles pensamentos daquela forma. Acho que dificilmente um pai conhece assim tão bem uma filha — Otto Frank
Não que os esteja a pensar para já, mas esta frase ecoou em mim como um pensamento materno. Talvez seja positiva uma educação com a liberdade Holandesa e com o cuidado da comunicação.
Saímos da casa de Anne Frank emocionados e a questionar quanto tempo faltará para a próxima triste guerra mundial. Tivemos de animar os ânimos e demos ritmo à promoção da coffee shop. Seguimos para o Red Light District e a caminho passamos por ruas cheias de cor e de montras de comida gigantes. Luzes e letreiros convidativos, guloseimas, chocolates, bolos, entre outros. A verdade é que devido ao apetite que a cannabis abre, Amesterdão lucra bastante em comida e tem uma diversidade enorme. Aliás, cheguei realmente a ver um bar chamado Vegan Junk Food. Estava fechado, mas só o nome convenceu-me.
Comi um merengue de morango com chocolate branco de lamber os dedos (literalmente, devido à quantidade de açúcar). Ao chegar ao Red Light a minha atenção redobrou-se. Não faz parte da minha filosofia julgar opiniões, gostos ou vontades diferentes das minhas, mas sou humana e nem sempre consigo perceber o que me é alheio à primeira. Estava ansiosa por poder ver e viver aquela zona para poder opinar com algum conhecimento de causa.
Numa primeira vista, muito menos janelas do que imaginava. Mulheres para todos os gostos. Sex shops, gay bars, clubes de sexo ao vivo, clubes de strip, bordéis e museus. Esta é a diversidade que aqui encontrámos. Andámos por lá algum tempo, até que…
...decidimos ver mais de perto e fomos a um clube de sexo ao vivo.
Acho extraordinário o profissionalismo com que o assunto é tratado. Não há aquele sorriso pervertido, os assuntos são falados com seriedade e, como é claro, as fotos são proibidas. Entrámos num ambiente de bar, subimos ao primeiro andar e tínhamos um palco em frente. Digo-vos que não é nada do outro mundo e desde os live solos aos casais, há apenas uma palavra que me vem à cabeça: Voyeurismo. O voyeur é aquele que retira prazer da observação da prática sexual mas o voyeurismo dá para ambos os lados. Tanto para quem gosta de ver como para quem gosta de se exibir. Contudo, mundialmente é uma prática que na maior parte das vezes e feita pelo Voyeur, sem que quem está a ser observado saiba o que está a acontecer. Aqui temos um romper da privacidade e intimidade de cada um. Ao existir de uma forma comercial minimizamos estes riscos e detemos maior controlo sobre a prática, que se revela muito natural, porém estereotipada entre a sociedade.
Eu não me considero voyeur, mas encarei o momento como uma experiência das que levo para a vida e que me permitiu retirar certas opiniões. Nem todos em cima do palco estão felizes, mas é preciso ter em consideração que aquela é a sua profissão e ninguém está feliz todos os dias. De um modo geral, a maioria dos que por lá passa demonstra estar a ter prazer e para além disso, algo de fenomenal acontece: limpam-se as ideias que a pornografia constrói como realidade. Ali não há câmaras nem efeitos especiais. É tudo real. Viemos embora do clube. Não posso negar que me senti um pouco mais culta por ter começado a desenvolver uma opinião sem julgamento.
Fomos ao Museu da prostituição – Red Light Secrets – e mais uma vez é uma visita emocionante. A exposição é num antigo bordel onde Annie, uma prostituta que outrora ali trabalhava, fora assassinada. Um crime que ainda hoje não tem explicação. A ignorância é quebrada logo à entrada com as definições de Pimp, Prostituto, Landlord, entre outros. Pelo museu temos uma janela, que nos permite saber a sensação de estar sentado numa montra, mas honestamente, tendo em consideração que nos sentamos lá completamente vestidos, não podemos nem dizer que imaginamos como seria comercializarmo-nos. Visitámos também os diferentes quartos disponíveis: o mais barato, o de luxo e uma sala de BDSM. São quebrados estereótipos falando da obrigatoriedade, por lei, do preservativo atualmente. As prostitutas têm também uma área de higiene que utilizam entre clientes e o cliente tem também de se limpar antes do serviço começar. As prostitutas não são obrigadas a aceitar clientes e nem todas as trabalhadoras (não necessariamente prostitutas) do Red Light District têm sexo com os clientes. Podem, por exemplo, ser apenas dominadoras SM. Para além dos quartos existe um altar em homenagem de várias prostitutas que morreram a exercer a profissão (antes e depois da legalização), confissões, e notícias que normalizam a escolha de carreira, como a suspeita de Marilyn Monroe ter sido uma prostituta. Finalmente, uma das coisas que mais gostei neste museu foram as histórias, os objetivos e as motivações de diferentes mulheres que seguiram esta carreira. Algumas foram apenas enganadas, mas outras, por exemplo, fazem disto um part-time para ganhar dinheiro para estudos, e ainda outras gostam realmente do que fazem.
Um dia tive um cliente que me disse que masturbava os filhos e pediu-me para chamá-lo de Papi. Chamei imediatamente a polícia e ele foi preso. Espero que ainda lá esteja — contou a prostituta que nos fala no aparelho que acompanha a visita ao museu através de áudio.
Se a prostituição em Amesterdão não fosse legal, este homem não teria sido apanhado. Pelo menos não naquele dia.
O Red Light tem também homens, mas são transsexuais e estão a caminho de se tornar mulher. Na verdade, já são mulheres, porque não podemos simplesmente mexer com o psicológico alheio.
Comi um space cake na Bulldog Coffee Shop e fomos para o Hotel. No dia seguinte rastejámos, porque na ideia de Amesterdão ser plano e fácil de percorrer, andámos quilómetros e quilómetros a pé. No Domingo andamos a passear pela cidade. Não tínhamos tempo para mais museus e por isso andámos apenas a respirar a beleza dos canais.