O caminho até ao deserto, no primeiro dia da nossa viagem a Marraquexe, coincidiu com o fim-de-semana que antecedia o feriado l-aid l-kbir, também conhecido como Grande Festa ou Festa do Sacrifício.
Este, é um festival muçulmano que sucede a realização do hajj, a peregrinação a Meca, comemorado no ultimo mês do ano lunar do calendário islâmico. A festa dura quatro dias e a sua celebração traduz-se no sacrifício de um animal, pelo que todas as famílias marroquinas têm de ter a sua ovelha. Neste momento, a confusão que já era mais do que muita, transformou-se num verdadeiro caos intransponível. As ruas das pequenas vilas que tentávamos atravessar estavam repletas de homens, de todas as idades e tamanhos, que buscavam desenfreadamente uma… ovelha!
A travessia pelo Alto Atlas, mesmo com um 4×4 todo o terreno, foi dura. Estradas estreitas, curvilíneas, a mais de 1000m de altitude, uma experiência não aconselhada a pessoas sensíveis de estômago. Não obstante, a paisagem parecia ter sido tirada de um filme, ou então, colocada ali propositadamente para nos impressionar.
Já se avizinhavam os lugares espectaculares que haveriam de vir…
E de repente Télouet! Como descrevê-la? Misteriosa! A mais de 1870 m de altitude, num vale nas montanhas do Alto Atlas, esta vila marroquina consegue ser fascinante não só pela sua importância na rota comercial entre Marraquexe e Ouarzazate, mas também pelas marcas históricas, que se figuram em ruínas. Seguindo em direcção ao Kasbah de Télouet, que outrora havia sido habitado por Thami El Glaoui, um dos mais célebres líderes políticos de Marrocos da primeira metade do século XX, também conhecido por ser O Senhor do Atlas.
Sinceramente, a promessa do Hmad de que ficaríamos deveras surpreendidos com a visita ao Kasbah (uma espécie de casa fortificada de origem berbere, utilizada pelas populações para se abrigarem a si e aos seus animais, das manifestações meteorológicas mais agressivas e de outras ameaças) não convenceu muito. Porém, mal espreitámos o seu interior, deixámo-nos conquistar imediatamente pelo jogo de cores presente, pelas formas dos azulejos, janelas e portas.
Hmad tinha razão! Dentro do Kasbah de Télouet respira-se história: intriga política, a força de todo um povo, vitórias e derrotas.
Depois do almoço, retomámos a estrada em direção a Ouarzazate – uma cidade no sul de marrocos. Fizemos ainda uma paragem estratégica para visitar a antiga vila de Ait Benhaddou. Ao aproximarmo-nos desta vila, tivemos a certeza de que a terra montanhosa e árida tinha ficado para trás. Naquele momento, avançávamos por uma estrada plana e sossegada, gentilmente decorada com uma vegetação rasteira e pequenos oásis à sua volta. Em Ait Benhaddou, visitámos o miradouro, que é obrigatório, e observámos cada pedacinho da paisagem ao nosso redor: desde os pequenos Óasis até à muralha do Ksar, construída de barro e palha, que alberga, ainda nos dias de hoje, casas, kasbahs, mesquitas e praças. Em modo de despedida, decidimos oferecer um chá de menta ao Hmad e deste modo desfrutar um pouco mais desta vila de Marrocos que é património da UNESCO.
No final da tarde, ainda debaixo de um calor infernal, avistámos uma das grandes atrações da cidade de Ouarzazate – os estúdios Atlas de Ouarzazate, onde são gravados grande parte dos filmes de Hollywood que envolvem cenários do Médio Oriente. Entre eles: “Babel”, “A Última Tentação de Cristo”, “Lawrence da Arábia”, “O Reino dos Céus”, etc.
Nessa noite, ficámos hospedados no Dar da Rita, em Ouarzazate. Uma casa de 2 andares muito simpática e confortável. O nosso quarto, ainda que com uma decoração simples, era igualmente acolhedor. O jantar foi servido às 20h, por três caseiros, que tinham deixado o Congo em busca de uma vida melhor na África Branca, como habitualmente se referiam a Marrocos. O serão foi passado de forma divertida, a jogar monopólio e a tentar descodificar os cartões da sorte, escritos em francês.
Se o primeiro dia desta viagem ao deserto marroquino foi caracterizado pela descoberta de lugares exóticos e diferentes, o segundo superou as expetativas. Exclamações como “Uau” e “Ahhh!” foram uma constante. Hmad parecia ainda mais contente do que nós. Via-se o orgulho que aquele homem (e excelente guia turístico que conhecemos logo no iníco desta viagem a Marraquexe) tinha em mostrar-nos cada detalhe do seu país, da sua cultura.
Logo após o pequeno-almoço a campainha tocou, como se de um déjà-vu se tratasse, avistámos o guia. Desta vez, trazia vestido uma djellaba branca, uma túnica larga de mangas, vestuário típico em Marrocos, que pode tanto ser usada por homens como por mulheres. A manhã ía a meio, quando começámos a avistar um cenário paradisíaco. Acho que foi este o momento em que compreendi plenamente o conceito de Óasis. De facto, depois da nossa travessia às montanhas do Alto Atlas e às terras áridas de Marrocos, termos sido confrontados com os incríveis desfiladeiros dos rios Todra e Dadés e os palmeirais dos oásis, foi mesmo uma visão fascinante. Diria mesmo divina!
A viagem a Marraquexe continua e as paisagens deslumbrantes também...
Entre paragens estratégicas para observarmos em pormenor a paisagem e histórias factuais sobre produção de rosas, fundamentais para a economia marroquina, chegámos às gargantas do Dadés e do Todra, com fronteira no Saara. Esta rota é uma atração turística natural, verdadeiramente rica e capaz de nos fazer sentir bem pequenos. Ao avançarmos por entre as montanhas, seguindo o curso do rio, encontrámos imensos nativos, de volta de algumas lides domésticas, que aproveitavam para lavar alguma roupa e loiça. Também aqui, fomos recorrentemente abordados por comerciantes e claro, sendo um lugar turístico: muitos estrangeiros.
Seguindo pelo desfiladeiro, vamos encontrar um antigo hotel, ali construído propositadamente para aqueles que procuravam a calma e serenidade do rio entre as montanhas, contudo, perdeu o efeito, a partir do momento em que a infra-estrutura foi alvo de uma grande derrocada, culminando com a morte de alguns dos seus hóspedes. Hoje, apesar de abandonado, este hotel não deixa de ser uma das atrações da Garganta de Todra.
Ao longo deste segundo dia fomos confrontados com inúmeros lugares majestosos. Tivemos a oportunidade de visitar bastantes atrações construídas pela mão do homem, mas também de pisar locais exclusivamente tocados pela mão de Deus. Desde a Gargatanta de Todra até Erg Chebbi, local onde o deserto tem início, foi uma viagem de 2 horas.
Se até aqui a descoberta de novos locais em Marrocos tinha sido espetacular, daqui para a frente, receio nem ter as palavras certas para contar o que se passou no Deserto Ocidental do Saara. Estava tão eufórica que fui incapaz de me aperceber do nervosismo que se apoderou do meu companheiro. Só mais tarde, é que compreendi a razão para a sua insistência em levar sempre a mochila às costas…
To be continued...
Marketing Strategist & Freelancer